XX DOMINGO DO TEMPO COMUM 14-08-2016

20º DOMINGO DO TEMPO COMUM
«Por isso, talvez, o Senhor virá ao fim com o sinal do fogo, com o objetivo de destruir todos os vícios no momento da ressurreição, encher os desejos da cada qual com sua presença e lançar luz sobre os méritos e sobre os mistérios».
(Santo Ambrósio, Tratado sobre o Evangelho de São Lucas)
A Palavra de Deus hoje convida-nos a tomar consciência da radicalidade e da exigência da missão que Deus nos confia. Não há meios-termos: Deus convida-nos a um compromisso, corajoso e coerente, com a construção do “novo céu” e da “nova terra”. É essa a nossa missão profética. O seu fogo quer nos purificar. A sua paz quer nos colocar na lógica do seu Reino. Hoje também é o dia dos pais. A eles é entregue a árdua missão de participar do ser de Deus pela paternidade com coragem e perseverança em tempos de confusões da função paterna. O profeta Jeremias e o maior de todos profetas – Jesus Cristo, verdadeiro Deus e homem: são pessoas que incomodam; são modelos de pais que apontam para o essencial em tempos de inseguranças.
A primeira leitura (Jr 38,4-6.8-10) apresenta-nos a figura do profeta Jeremias. Ele recebe de Deus uma missão que lhe vai trazer o ódio dos chefes e a desconfiança do Povo de Jerusalém: anunciar o fim do reino de Judá. Jeremias vai cumprir a missão que Deus lhe confiou, doa a quem doer. Ele sabe que a missão profética não é um concurso de popularidade, mas um testemunhar, com verdade e coerência, os projetos de Deus. Na verdade, esta leitura hoje propõe-nos um grande ensinamento diante de injustiças que vivemos, sejam nas comunidades onde estamos inseridos sejam em estruturas humanas onde as pessoas compactuam com o mal: confiar em Deus e continuar firme na missão. O texto mostra-nos que o profeta foi jogado em um poço sem água; apenas com barro. Em muitos momentos da vida nos custa muito ter que escutar a Deus nos vários “poços” de tormentos que a vida nos apresenta, principalmente em meio de pessoas e situações obcecadas pelo mal ou pela injustiça. O profeta dá-nos uma grande mensagem de perseverança e fidelidade em meio às incompreensões. Quantos dos nossos pais hoje poderiam ver no profeta Jeremias um referencial para suas vidas! Todos os que são escolhidos por Deus como testemunhas da sua Palavra sofrem perseguições, mas não podem se esquecer de algo: jamais são abandonados por Deus.
O Evangelho (Lc 12,49-53) reflete sobre a missão de Jesus e as suas implicações. Define a missão de Jesus como um “lançar fogo à terra”, a fim de que desapareçam o egoísmo, a escravidão, o pecado e nasça o mundo novo – o “Reino”. A proposta de Jesus trará, no entanto, divisão, pois é uma proposta exigente e radical, que provocará a oposição de muitos; mas Jesus aceita mesmo enfrentar a morte, para que se realize o plano do Pai e o mundo novo se torne uma realidade palpável. Muitas pessoas talvez buscam Deus e a Igreja, e, no fim se decepcionam. Talvez buscam paz, contudo encontram conflitos e “fofocas”; buscam acolhida, e, muita vezes se defrontam com invejas entre os “bons” católicos praticantes. O evangelho hoje é uma espécie de colírio para os olhos “desiludidos” pelas trevas interiores. Se não tivermos fé, confiança e perseverança, tendo diante de nós Cristo e a sua cruz, desanimamos dos trabalhos na comunidade. Há um grande alerta para todos nós, quando pensamos que a Igreja seja um lugar de fuga ou acomodamento. É um lugar de fuga? Não! Jamais! Para Jesus, o Reino de Deus se enraiza em meio às contradições e complicações da vida humana. Dentro e fora da Igreja teremos incompreensões e perseguições. O fato de Jesus usar a imagem do fogo – “eu vim para lançar fogo sobre a terra (...)” – parte deste elemento da natureza capaz de purificar. Ele veio para renovar, purificar, trazer novo ânimo aos corações adormecidos ou anestesiados. Todos nós, quando temos a força do ressuscitado em nossas vidas, deveríamos também levar o “fogo purificador” do amor em todos os lugares. Ele também diz que não veio a “paz” mas a divisão (cf. v. 51). Jesus se tornou um agitador ou populista anárquico? Certamente nenhuma das duas hipótedes! Ele veio trazer e traz ainda uma paz que é fruto da justiça e do amor. De fato, a sua presença é paradoxal na vida humana. Ele quer enfatizar que o seu Reino, inaugurado com a sua pessoa, coincide com um novo modo de ser, ou seja, o verdadeiro Kairós. Sua presença e ação exige o rompimento com certas estruturas que escravizam. A renovação e purificação, vindas pelo “fogo” e a “divisão” é um convite à conversão; um convite à saída da inércia e do acomodamento. Podemos dizer que uma Igreja acomodada pode transparecer certa paz aparente, mas ela não é profética (como Jeremias), e não sendo profética não pode ser como assim desejou Jesus. Há muitas pessoas na Igreja que tentam criar estruturas e referenciais que traem o des-acomodamento que Jesus propõe. As contendas, divisões, incompreensões numa comunidade não são essenciais em si, embora existam e podem nos deixar perplexos. Mas sejamos pacientes: elas devem gerar a busca pelo diálogo e o ajuste entre as pessoas. Devem provocar o encontro sincero e honesto pelo mesmo Espírito que inspira a todos igualmente nos ministérios. Mais que cultivar conflitos ou divisões, Jesus quer provocar uma fé adulta e madura que encontra na Cruz um sentido purificador. Devemos, diante de Jesus e da nossa consciência, decidirmos sobre a nossa vida e o nosso proceder. Esta tarefa não é fácil. Exige muita purificação (fogo) e segurança interior (paz) para não nos deixarmos seduzir pelo contra projeto do Reino. Há um mundo novo em gestação... há uma nova humanidade em busca de purificação, paz e sinais dos tempos.
A segunda leitura (Hb 12,1-4) convida o cristão a correr de forma decidida ao encontro da vida plena – como os atletas que não olham com esforços para chegar à meta e alcançar a vitória: Cristo – que nunca cedeu ao mais fácil ou ao mais agradável, mas enfrentou a morte para realizar o projeto do Pai – deve ser o modelo que o cristão tem à frente e que orienta a sua caminhada. Esta leitura é um convite a buscar o essencial: ter os olhos fixos em Jesus. Em geral, para um cristão, a vida se torna problemática, não porque os problemas são muito complicados, mas porque estes olham “fixadamente” não mais em direção a Jesus, mas para as coisas ou situações que ocupam o seu lugar. As contradições e dificuldades sempre existirão em graus e nuances diferenciadas. Contudo, o alento do cristão está no fato de pensar como Ele e viver como Ele. Os cristãos desta comunidade tinha sido espoliados e agredidos. O autor os encoraja. Ele nos encoraja hoje e sempre. Encoraja hoje a todos os pais que são chamados a serem “atletas” de uma educação firme e dócil. A família hoje não vive um momento de equilíbrio. É questionada na sua condição estrutural. Mas não devemos ter medo ou receio dos problemas. Como em todas as épocas, o Espírito do ressuscitado está em nosso meio, encorajando-nos a ter os olhos fixos no essencial.
Fr. André B., OP