XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM 18-09-2016

REFLEXÃO HOMILÉTICA PARA O 25o DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)
18 de setembro do ano do Senhor de 2016
MATEUS DOMINGUES DA SILVA OP
E o senhor elogiou o administrador desonesto,
porque ele agiu com esperteza.
Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos
em seus negócios do que os
filhos da luz. (Lc 16, 8).
A riqueza de Deus não é como a riqueza dos homens; ela não é uma propriedade privada; em Deus não há – assim como nem de Deus deriva – nenhuma propriedade privada... Portanto, Deus não pode ser roubado nem chantageado, Deus é livre, Deus só sabe amar. Todos têm o direito a Deus, mesmo os que seguem outras denominações cristãs ou os adeptos das mais diversas religiões não-cristãs ou aqueles sem nenhuma religião e que consideramos muitas vezes como administradores injustos dos “bens” de Deus e da graça divina. Quem somos para decidir dessa maneira? Com que direito?
Do relato evangélico proclamado hoje (Lc 16, 1-13), Jesus nos ensina que seu discípulo não pode ter medo; os escrúpulos e o medo podem se tornar barreiras instransponíveis à vida na luz que o próprio Jesus e seu Evangelho nos oferecem para nossa iluminação. O senhor da parábola elogiou seu administrador desonesto, não pela sua desonestidade, mas por sua habilidade e por não ter medo de ser o que é e por não ter escrúpulos em agir: “com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios que os filhos da luz” (Lc 16, 8b). Os escrúpulos são, quase sempre, obstáculos desnecessários e perigosos. Não se pode ter medo de ser aquilo que é nem medo para agir de acordo com a consciência, não havendo razão para lutar contra a realidade. O medo paralisa, desespera, sufoca a esperança. O medo é desejo: desejo de fracasso, desejo de ruína, desejo de morte.
A seguir, em uma sentença enigmática, de difícil compreensão, Jesus convida seus discípulos a seguirem o dinheiro para seguir Deus: “Eu vos digo: usem o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas.” (Lc 16, 9). O que Jesus quer dizer? Nessa passagem extremamente difícil, talvez seja melhor aguardar uma segunda sentença para compreender a primeira: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará um e amará o outro ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Lc 16, 13). Ou, como escreveu Jerônimo (347-420) em seu Comentário à profecia de Habacuque [Hab 2,3] (Migne PL vol. 25, col. 1316): “Todo homem rico é, ou injusto na sua pessoa, ou herdeiro da injustiça e da injustiça de outros” (omnis dives aut iniquus est, aut heres iniqui). A questão é: como se servir do dinheiro sem servir ao dinheiro? Atrevo-me a responder: partilhando, confiando e construindo um mundo de justiça, de fraternidade, de igualdade, de liberdade, de paz, devolvendo a dignidade àqueles que a perderam, pondo-se do lado daqueles que foram empobrecidos e descartados pelos poderosos do passado e do tempo presente e daqueles que são considerados pela hipocrisia de nossa moral como fracassados. Ademais, hoje, o marketing e a publicidade dominam totalitariamente os jornais, as revistas, as rádios, as telas de televisão, as redes sociais e a internet para conjugar dois verbos: TER e APARECER. A fé cristã, por sua vez, tem também seus dois verbos para conjugar: SER e CONFIAR. Jesus nos diz, em primeiro lugar, que a fé não é como o dinheiro. Ela não é alguma coisa que se tem ou não se tem, que se ganha ou se perde. Crer é ser, é existir, é viver, é aprimorar, é crescer, é desenvolver, é alegrar-se. Crer também é confiar, é não ter medo nem escrúpulo em se deixar iluminar pelo que se espera, é viver em confiança naquele que nos ilumina e nos guia, é coragem, é ousadia, é liberdade, é criatividade, é superar, é ultrapassar. Jesus nos diz, na sequência, que o dinheiro que nós temos, aquilo que materialmente possuímos, mesmo quando é pouco ou praticamente nada, deve servir para ser, não para ter, deve servir para confiar em um mundo novo, no Reino de Deus, e não para nos fazer aparecer.
A primeira leitura do domingo de hoje (Am 8, 4-7) nos ajuda a compreender melhor o alcance da narrativa do evangelista Lucas que proclamamos: somos convocados para denunciar os ricos que esmagam os pequenos, exploram os pobres e os dirigentes que se acham os donos dos bens que lhes são confiados. Fala-se, ultimamente, no Brasil, uma grande bobagem: a defesa de uma tal de “escola sem partido”. As fontes bíblicas e as fontes cristãs mais genuínas são unânimes em tomar partido: o dos injustiçados, dos sem voz, dos menores, dos sem direito, dos desumanizados, dos humilhados, dos esquecidos. A pregação e a profecia de Amós, em seu livro, não têm papas na língua. E têm também o seu partido… E não é o partido dos ricos e dos poderosos! No século VIII a.C., sob o reinado de Jeroboão II em Israel, o comércio estava em franca expansão e o luxo se estendia, então, na capital, Samaria. O profeta Amós denunciou as injustiças cometidas pelos grandes proprietários de terras contra os trabalhadores. Aqueles os exploravam e os esmagavam até torná-los escravos: “dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias, e para pôr à venda o refugo do trigo” (Am 8,6). E pior: os ricos latifundiários e os ricos comerciantes no tempo de Amós estão com pressa que o sábado termine para acelerar e continuar suas maldades em nome do próprio bolso: “Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria? E o sábado, para darmos pronta saída ao trigo, para diminuir medidas, aumentar os pesos e adulterar a balança?” (Am 8,5). É desolador constatar que praticamente 29 séculos depois e em outra região do mundo completamente diferente da Samaria, no Brasil do ano do Senhor de 2016, a situação não é muito diferente... Ao se juntar à tradição recente de golpes de Estado frios e brancos em Honduras e no Paraguai, de natureza parlamentar – em parceria com a mídia local e com a omissão do poder judiciário –, o Brasil conheceu um golpe de força institucional – uma farsa engendrada ao longo de 2015 e 2016 e que atingiu seu desfecho no último dia 31 –, manipulando a Constituição Federal. A gestão do país está agora com grupos políticos reacionários e ligados ao mundo da finança especulativa. Um país conservador e marcado pela desigualdade e pela pobreza, sem políticas sociais e sem o respeito e o aprimoramento dos direitos sociais e das conquistas históricas dos trabalhadores e das minorias estaria condenado à barbarie. Agora manifesta-se a pressa daqueles sem escrúpulos e sem medo de vender e saquear – e que também são sem voto. Que os filhos da luz e servos de Deus tenham a esperteza dos filhos do mundo e servos do dinheiro para resistir com fé confiante, fezendo manifestar em suas ações a súplica do papa Francisco, no último dia 3 de setembro: “Em 2013, havia prometido retornar, no próximo ano, a Aparecida. Não sei se será possível. Mas, pelo menos, estou mais próximo dela [da estátua de Nossa Senhora da Conceição Aparecida] aqui [no Vaticano]. Convido-os a rezar para que ela [Nossa Senhora Aparecida] continue protegendo todo o Brasil, todo o povo brasileiro, neste momento triste. Que ela proteja os pobres, os descartados, os idosos abandonados, os meninos de rua. Que proteja os descartados que se encontram nas mãos dos exploradores de todo tipo. Que ela salve o seu povo, com a justiça social e o amor de seu Filho, Jesus Cristo.” Assim seja.
MATEUS DOMINGUES DA SILVA é frade pregador e islamólogo. Pesquisador em história da filosofia árabe e em história da física medieval, é membro do IDEO (Institut Dominicain d’Études Orientales) do Cairo.