XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM 16-10-2016

REFLEXÃO HOMILÉTICA PARA O EVANGELHO DO 29o DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO C (Lc 18, 1-8)

 

DOMINGUES DA SILVA OP, Mateus.

 

            No relato evangélico proclamado no domingo de hoje, 16 de outubro de 2016, através de uma parábola que coloca em cena um juiz injusto e omisso e uma mulher em situação extremamente difícil – mulher, viúva e, por conta disso, sem recursos – Jesus, segundo o evangelista Lucas, afirma que é necessário rezar com insistência e perseverança. Tudo vai bem no correr da cena, até o final misterioso da perícope: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18,8b).

 

            Na verdade, no momento em que Lucas redigia seu Evangelho, alguns entre os discípulos de Jesus haviam perdido toda esperança. A Igreja primitiva acreditava que Jesus ressuscitado voltaria logo para inaugurar o Reino de Deus que ele havia anunciado. Mas não veio absolutamente nada, nem o Senhor, nem os tempos novos, nem a nova Jerusalém – na verdade, Jerusalém, a velha, foi destruída. Os discípulos continuaram suplicando. E Jesus ainda não veio, a Parusia ainda não aconteceu! O pior: os que eram de origem judaica assistiram a destruição de Jerusalém e do templo e a humilhação de seus irmãos e irmãs de sangue e de culto. Em pouco tempo, os cristãos de origem judaica e os fariseus lutaram entre si pelo controle das sinagogas e, nessa luta, os fariseus venceram e, grosso modo, coube a eles reorganizar o judaísmo, não havendo mais lugar entre os judeus para aqueles que acreditavam que Jesus era o Messias. A maioria das sinagogas passou a não admitir em seu grêmio judeus-cristãos. Judaísmo e cristianismo começaram a partir de então a ser coisas distintas e se tornou necessário uma opção entre Israel e a Igreja – decisão nada simples! Já a situação dos cristãos que não eram de origem judaica, majoritariamente de língua grega e cultura helenista, a vida tampouco não era fácil. Muitas prisões, denúncias, delações premiadas contra suspeitos de se tornarem cristãos e condenações ao exílio e à morte. E toda essa série de sofrimentos pela fé em Jesus crucificado como Cristo Ressuscitado – o Senhor exaltado que voltará gloriosamente em breve e trará consigo seu Reino. E nada! Por que, então, continuar a esperar assim? Teria Deus ficado surdo aos seus apelos assim como o juiz iníquo implorado com insistência por esta pobre viúva? Ou o próprio Jesus ressuscitado estaria tão ocupado ou distraído nos céus que se esqueceu de seus discípulos? Não parece ser esta, de certa maneira, a nossa atitude em relação a Deus de Jesus e ao próprio Jesus, que parecem estar ausentes de nossa existência e insensíveis às nossas orações?

 

            Pessoalmente, é exatamente isso que sinto ao ver acontecer no Brasil o triunfo de um macarthismo anacrônico e caipira encampado pelo establishment reacionário, um macarthismo de promotores e juízes iníquos com vocação para celebridade e com o gozo da mídia… Deixando o caso brasileiro e ficando em aspectos mais gerais e genéricos que nos suscita a narrativa de Lucas: quando rezamos, em que Deus acreditamos? A oração é uma simples extensão de nosso egoísmo? Se se chama Deus de “Pai” e “Pai nosso” – o que significa que todos somos irmãos – e não se vive em igualdade, liberdade e fraternidade, há um problema grave. Se se pede a Deus o pão nosso de cada dia, deve-se mesmo dar esse pão para quem dele necessita. Sem partilha e sem solidariedade, pedir por pão nosso é blasfêmia. Se se reza pela paz, deve-se necessariamente se engajar no estabelecimento da paz – do contrário, não faz nenhum sentido. E não há paz sem justiça! A oração não se constituí em palavras jogadas ao vento: só se pode rezar quando se está inteiramente engajado naquilo que se pede.

 

            Rezar assim é efetivamente difícil. Para rezar, triunfalismos e formalismos são extremamente perigosos e nocivos, a beleza é desnecessária e vã, a obrigatoriedade é inútil; é necessário apenas ter fé. Por outro lado, é fato curioso que se a viúva do evangelho obtém justiça, não é por causa do juiz iníquo. Foi simplesmente pela tenacidade da pobre mulher, por sua perseverança e por seu engajamento que ela, finalmente, obteve o mínimo de justiça. A parábola de Jesus não quer significar que esse juiz iníquo seja parecido com Deus Pai ou com Jesus ressuscitado. Não! Não são parecidos em nada! Significa só e simplesmente que Deus não pode fazer nada sem a nossa participação, o que explica a ausência de Deus e a impotência de Jesus Cristo quando a oração não comporta nenhum engajamento.

 

            Deus é sempre paciente, mas nossas orações revelam, por vezes, certo grau de impaciência – o que é perfeitamente justificável. Em relação à infinita paciência de Deus, o que significa a nossa impaciência? A impaciência desqualifica os homens e mulheres chamados a serem parceiros de Jesus ressuscitado para tornarem a terra mais humana, aumentando a paz, a justiça, a fraternidade, a igualdade e a liberdade. Para isso é necessário toda a serenidade e muito tempo, todo o tempo da história humana talvez, mas também o trabalho, as iniciativas, os erros, as lutas e a sabedoria de mulheres e homens, o testemunho de esperança dos que têm fé. É preciso ter esperança naquele que foi condenado e morto e ressuscitou dos mortos, confiança naquele que, crucificado e ressuscitado, continua a se manifestar em todo o ser humano e em toda criatura, apontando para uma nova humanidade e para uma nova criação. Porque o tempo da paciência de Deus reclama a nossa atividade – não nosso ativismo, o qual é sempre uma fuga para fora –, mesmo que nossa atividade e nosso engajamento sejam demasiadamente limitados, pequenos e frágeis como eram os daquela viúva que podia apenas multiplicar suas súplicas por justiça. Quando nos restam apenas as palavras e a língua, teremos nós a mesma obstinação, a mesma fé na justiça – apesar do juiz iníquo e omisso –, a mesma confiança, a mesma coragem que ela? É a pergunta que Jesus faz: “O Filho do Homem quando vier, encontrará fé sobre a terra?”

 

Mateus DOMINGUES DA SILVA é frade pregador e vive no Cairo.