25º Domingo do Tempo Comum ?? 24 de Setembro de 2017

“Os
últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimosâ€
A liturgia de hoje,
na qual também celebramos o dia da BÃblia, convida-nos a descobrir um Deus
cujos caminhos e cujos pensamentos estão acima dos caminhos e dos pensamentos
dos homens, quanto o céu está acima da terra. Eis porque precisamos ler
corretamente e em profundidade os textos da Escritura. Sugere-nos, em consequência,
a renúncia aos esquemas do mundo e a conversão aos esquemas de Deus. As três
leituras acenam para uma ideia muito importante: Deus age diferentemente de
nós; precisamos, então, com muito custo, aprender a pensar, ver o mundo e as
pessoas com os “olhos†e “sentimentos†de Deus. Precisamos aprender a olhar os
últimos como primeiros e não os primeiros como primeiros.
A primeira leitura pede que se volte para Deus. “Voltar
para Deus†é um movimento que exige uma transformação radical do homem, de forma
a que os seus pensamentos e ações reflitam a lógica, as perspectivas e os
valores de Deus: “Meus pensamentos não
são como os vossos pensamentosâ€. Tudo o que Deus significa está sempre além
do que somos e pensamos dele e de nós mesmos. IsaÃas está convencido que entre
o “coração humano†e Deus há uma lacuna intransponÃvel. Eis, portanto, a
incisiva convocação do profeta: “Buscai o
Senhor, enquanto ele pode ser achado; invocai-o enquanto ele está pertoâ€.
De fato, não sabemos muito nem como buscá-lo ou invocá-lo, pois dentro de nós
impera uma outra lógica que precisa ser transformada. Em geral somos movidos
por muitos sentimentos e interesses humanos que não se coadunam com o sentido
de Deus. Somos pequenos e olhamos tudo segundo esta pequenez. Estamos com os
“pés†muito na “planÃcie†da vida, sendo que os nossos pensamentos e a nossa
interioridade fica comprometida. Eis porque é necessário, como o “Ãmpio, voltar para o Senhor, abandonar as
maquinações e maldadesâ€. Se conseguimos pensar como o Senhor da vida – o
Deus Amor – vamos compreender melhor a parábola de hoje, narrada por Mateus.
O Evangelho diz-nos que Deus chama à salvação todos os
homens, sem considerar a antiguidade na fé, os créditos, as qualidades ou os
comportamentos anteriormente assumidos. A Deus interessa apenas a forma como se
acolhe o seu convite. Pede-nos uma transformação da nossa mentalidade, de forma
a que a nossa relação com Deus não seja marcada pelo interesse, mas pelo amor e
pela gratuidade. Temos que tomar consciência constantemente, que o caminho de
Deus está acima dos nossos... a parábola lida e ouvida trata de um certo
problema de “injustiça trabalhista†segundo os nosso critérios atuais; um
patrão que paga igual ao trabalhador que trabalhou o dia inteiro, suportando o
cansaço e o calor, e o trabalhador que trabalhou apenas uma hora. Ao olhar
puramente humano – no horizonte literário do texto – parece uma tremenda
injustiça. Ele havia combinado com os primeiros uma moeda de prata por dia.
Esse valor era justo, superior ao que se pagava aos trabalhadores em geral.
Todos estava desempregados e agiu com bondade ao pagar o valor “justo†e
“igual†a todos. Aqui vem a grande questão: na lógica humana – que não enxerga
o ser humano e as suas necessidades, mas que age de acordo com uma lógica
matemática – o que trabalhou menos iria receber menos ainda. Deus – o mesmo que
está por trás das palavras de IsaÃas – surpreende a todos, pagando a todos
igualmente. Imaginemo-nos no contexto da comunidade em que Mateus a escreveu:
haviam muitos que se consideravam melhores que os outros e com mais direitos;
os cristãos convertidos do paganismo ou pecadores eram, de qualquer modo,
injustiçados pelos de origem judaica. Jesus tratava a todos igualmente. Os
pensamentos dele, certamente, não são como os nossos. Digamos que há muita
gente na Igreja que por estar nela a tanto tempo se considera mais privilegiada
e com mais direitos que àqueles que agora chegaram. Em muitas de nossas
comunidades há este pensamento que não se coaduna com o do Cristo. Ouço muita
reclamação de pessoas mais idosas ou mais vividas na Igreja e até na vida
religiosa, contra os jovens e o seu modo de ser; exasperam-se assim: “os jovens de hoje não são como no meu
tempo; hoje não querem saber de nada; no meu tempo sim eram comprometidosâ€; são os eternos “nostálgicos†que só
olham para si mesmos ou para o seu mundinho; são os trabalhadores contratados,
possivelmente, a mais tempo. São os mais exigentes... talvez já perderam certa
paixão “caótica†que os jovens ainda nutrem. Exigem um maior pagamento pelo
muito tempo bem empregado neste “negócio†chamado Igreja! Muitos até exigem de
Deus as “férias e o 13º†como mérito do muito tempo dedicado. Conhecemos muitas
pessoas assim... Pensam, não como Jesus, mas segundo uma lógica “meritocráticaâ€
(de mérito), que o papa Francisco atualmente tanto denuncia em suas falas. Na
parábola, Jesus quer dizer que o patrão
paga igualmente a todos, começando pelos últimos. Justamente, pelos que
começaram o trabalho posteriormente. Não que os mais vividos não mereçam a
devida compreensão e a sua sabedoria, mas estes precisam aprender, como o
patrão, que precisam acolher e “pagar†justamente (com equidade) os que agora
chegaram na última hora. Os mais novos precisam de maior atenção, muito mais do
que quem já está firme ou comprometido na Igreja a muito tempo. É verdade que há
muita carência misturada com boa vontade. Em todas as situações é necessário
muito discernimento prudencial. Fico pensando cá com os meus botões: será que
nossas comunidades levam de fato a sério o ensinamentos profundo desta parábola
ou faz justiça segundo os “próprios pensamentosâ€? PagarÃamos a todos igualmente
ou segundo critérios de afinidade e simpatia? EstarÃamos nós acima da lógica do
patrão?
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de um cristão
(Paulo) que abraçou, de forma exemplar, a lógica de Deus. Renunciou aos
interesses pessoais e aos esquemas de egoÃsmo e de comodismo, e colocou no
centro da sua existência Cristo, os seus valores, o seu projeto: “Vivei à altura do evangelho de Cristoâ€.
Parece que nenhum de nós atingiu esta altura necessária; estamos ainda em
crescimento e constantes progressos... Sabemos que quando o apóstolo Paulo
ingressou na comunidade tinham já muitos cristãos fervorosos. Ele foi acolhido
pelo próprio Cristo nas pessoas. Ele tem uma atração dupla: partir para Cristo,
mas também permanecer na comunidade que o acolheu em Cristo. É bonito ver este
testemunho maduro de Paulo. Ele que passou por tantas situações adversas
aprendeu a perceber que pouca coisa é essencial em sua vida: “para mim, o viver
é Cristo e o morrer é lucroâ€. Paulo, não tenho dúvida, assimilou bem as
palavras de IsaÃas como a parábola de hoje: seus pensamentos foram integrados
no ser de Jesus Cristo, seu eterno amado. Aprendamos hoje, dia da BÃblia, a ressignificar
a nossa vida a partir destas três profundas leituras.
Fr. André Boccato, OP.