5º Domingo do Tempo Comum

Qual o sentido cristão do sofrimento e da dor humana?
Que sentido têm o sofrimento e a dor que acompanham a caminhada do homem pela terra? Qual a “posição” de Deus face aos dramas que marcam a nossa existência? Quem nunca se indagou sobre o vazio de sentido em viver e, por conseguinte, o silêncio de Deus? A liturgia deste domingo reflete sobre estas questões fundamentais... Como integrar a ideia segundo a qual Deus quer a nossa felicidade com a nossa atual e concreta realidade de amargura e solidão? Sabemos que nenhuma ciência, filosofia ou teologia (as várias teodiceias) dão conta de responder à “trágica” realidade do existir com os seus percalços. As correntes existencialistas apregoaram que somos lançados ou jogados no existir e ali temos que dar conta deste existir (Heidegger, Sartre, Camus, Dostoievski, etc.). A revelação e o conjunto da vida cristã não foge deste debate. Ela lança luzes embora não pretenda esgotar o mistério que nos envolve. Este é um caminho complexo que cada pessoa vive em sua particularidade, em comunhão ao Criador. A leituras deste domingo querem lançar luzes para que busquemos um sentido em meio à atual cultura do indolor e da fuga do sofrimento. Dos sofrimentos pessoais às grandes catástrofes sociais, econômicas, ambientais, ecológicas, todos, somos chamados a um despertar para o sentido, guiados pelo Espírito de Jesus que está em nós. O maior inimigo deste caminho de amadurecimento cristão é o “anestesiamento” de nossa vida, frente à irrefutável busca de sentido.
Na primeira leitura (Jó 7,1-4.6-7), o personagem Jó comenta, com amargura e desilusão, o fato de a sua vida estar marcada por um sofrimento atroz e Deus parecer ausente e indiferente face ao desespero em que a sua existência decorre. Apesar disso, é a Deus que Jó se dirige, pois sabe que Ele é a sua única esperança. Quem é Jó? Ele era um homem de bem e de bens, tinha tudo o que qualquer pessoa desejaria ter: bens materiais, dinheiro, uma bela família, saúde, amigos, fé em Deus. Era alguém totalmente realizado com uma fé segura e estável. De repente, eis o inesperado: perdeu tudo... Sim, perdeu todas as seguranças humanas que davam alicerce material e psicológico à sua vida. Contudo, não perdeu a fé. Há quem perca a fé por menos ou por mais. Ele foi abalado pela vida e pelo “deus” (ou pela imagem de “deus” que ele professava). Bem, todos os 42 comoventes e polêmicos capítulo do livro de Jó querem nos apresentar Jó, isto é, a consciência humana em sua condição de miserabilidade. Ele se questiona sobre tudo em suas “noites escuras”. Ele na verdade perde o controle e o domínio de sua vida. A questão de fundo aparece a ele e a nós, nestes delicados momentos: “Como confiar em Deus a partir desta realidade nu e crua que vivemos?”. Como o filho pródigo (cf. Lc 15, 11-32), às vezes, é preciso chegar ao fundo do poço para ver que Deus não nos abandona. Somos nós que vivendo tão distante de sua presença, imersos em questões tão fúteis e passageiras (conflitos e problemas pequenos), temos a ousadia de viver como “ateus” (ausentes de Deus), embora professando a fé nele. Mesmo como cristãos católicos corremos o risco de sermos bons praticantes e fieis observadores de preceitos, mas querer fugir desta condição “joânica” (de Jó), que é a única que de fato nos amadurece a superar uma falsa imagem de Deus que foi construída em nós desde a mais tenra idade. Jó quer nos ajudar a buscar a identidade cristã mais fundamental em meio a tanta superficialidade reinante a partir do real, sem muitas fantasias ou ilusões humanas.
No Evangelho (Mc 1,29-39), manifesta-se a eterna preocupação de Deus com a felicidade dos seus filhos. Nestes inícios do evangelho de Marcos, vemos Jesus se aproximando das pessoas marcadas pela miserabilidade: sofrimento e dor. Ele sempre está fazendo o bem e ensinando com autoridade, como dizia o texto de domingo passado). Na verdade, a exegese moderna, tomou consciência de que toda a atuação de Jesus está sustentada pela “gestualidade”. Não basta, por isso, analisar suas palavras. É necessário estudar, além disso, o conteúdo profundo dos seus gestos. Neste trecho de hoje, sai da sinagoga e vai logo à casa de Simão. Ele sai do templo e vai ao encontro das pessoas, dos que sofrem: eis o que o papa Francisco pede de nós, uma Igreja em saída. Não dá mais para ficar esperando que as pessoas venham até nós. A sogra de Pedro representa alguém acamado, com febre, em condição de sofrimento (condição “patética”; pathos, no grego é sofrimento). Ela está impedida de servir; estava dependendo de outros, de mãos generosas que cuidassem dela. Eis o gesto “terapêutico” de Jesus (terapia vem do grego, terapein, cura e reabilitação): aproximou-se, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Este é um gesto epifânico porque revela o Deus que ele tanto vivencia: um Deus próximo e sensível aos outros. Toda vez que estendemos a mão a alguém que necessita, revelamos Deus. Jesus é o “médico” (terapein) que cura e o “mestre” (docens) que ensina. As mãos são de grande importância na sua gestualidade. Podem curar ou ferir, acariciar ou golpear, acolher ou rejeitar. As mãos podem refletir o ser da pessoa. Pelas mãos de Jesus uma força revitalizante “ressuscitou” a sogra de Pedro. Na verdade, Jesus é para nós a mão que Deus estende. Onde ele está brota nova vida, em meio de situações trágicas. Jesus nos ensina a difícil tarefa de nos preocuparmos pelos sofrimento dos outros. Estamos, em geral, muito mais interessados nos nossos próprios problemas e no nosso próprio bem estar que em estender as mãos aos irmãos e irmãs. Esta apatia generalizada atual não pode nos colocar em uma condição de “letargia ou paralisia” da fé e do ser humano. Jesus muito atento à dor das pessoas em vários ambientes distintos. Após curar a sogra de Pedro é procurado ainda por multidões que o cercam para serem curadas e tiradas o mal. Ao final, talvez mesmo cansado, Ele ainda se recolhe em silêncio orante. Mesmo na sua oração (v. 35), é procurado pelos discípulos e pelo povo. Isto significa que Jesus, mesmo não realizando concretamente o bem, pela força de sua oração é devotada aos que sofrem e buscam consolo. Quando rezamos, de fato, carregamos o peso da nossa vida e das pessoas. A oração verdadeira, portanto, não é fuga do mundo ou ritualismo litúrgico rubricista, como muitos pensam, mas um encontro real com Deus a partir da realidade concreta nossa e das pessoas. Entre a sogra de Pedro (sem nome) e Jó há uma similaridade existencial estupenda que podemos resgatar em nossas vidas ao longo desta semana. Jesus saiu da sinagoga à casa de Pedro (v. 29); saiu da casa de Pedro às ruas da cidade (v. 33); das ruas da cidade à oração (v. 35); da oração à outros lugares, aldeias da redondeza (v. 38); eis a missão da Igreja: estender a mão e ajudar todos a se levantarem em todos os lugares possíveis de ir.
A segunda leitura (1Cor 9,16-19.22-23), sublinha, que anunciar o Evangelho é uma necessidade que se impõe à Paulo, como uma grande paixão existencial. Ele mesmo fez esta experiência. Talvez, a paixão na pregação do evangelho seja o maior sentido e a maior “cura” para o sofrimento e as dores humanas (v. 16). Paulo de escravo (v. 19) tornou-se o mais livre de todos. Qual era a sua escravidão? De se achar acima de Jesus e dos cristãos. Ele fez-se fraco (v. 22), igualando-se ao Cristo sofredor. Ele se convenceu como Jó e a sogra de Pedro, mas também como todos que buscavam a Jesus, que “por causa do evangelho eu faço tudo, para ter parte nele” (v. 23).
Fr. André Boccato, OP.