XII DOMINGO DO TEMPO COMUM 19-06-2016

REFLEXÃO HOMILÉTICA PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C), 19 de junho do ano do Senhor de 2016
MATEUS DOMINGUGES DA SILVA OP*
A esperança que aportamos, como cristãos, é – necessariamente – uma esperança cristã. Com efeito, o século XXI mostra para os cristãos uma grave crise – crise que, desde o segundo semestre do ano de 2008, tornou-se dominante em todo o mundo, por conta da grave situação econômica que atravessa o planeta desde então. No que se refere à crise que os cristãos enfrentam, há uma crise única. Para ser exato, no que se refere aos países em que sua população ainda é majoritariamente cristã, o declínio do cristianismo é impressionante. Por exemplo, no caso da Igreja católico-romana pode-se constatar: o colapso das vocações religiosas, presbiterais e para o diaconato permanente, o declínio total da prática dominical entre os católicos e o fato do catecismo das crianças – e mesmo o batismo! – tornar-se cada vez mais raro... Os números são assustadores. Os cristãos não ocupam mais posição de destaque que cabia a eles na sociedade há séculos na Europa e, nas Américas, desde a chegada de Colombo e a primeira invasão dos europeus. Isso conseguiu dar o sentido à vida aos cristãos no passado, explicando o mundo que os rodeava, e tudo isso simplesmente desapareceu! É verdade que, no Brasil – como, desafortunadamente, alhures –, ainda há certos delírios sobre isso. Políticos autoproclamados “cristãos”, no Brasil de hoje (século XXI!), estão convocando e proclamando uma série de coisas que, tanto nos aspectos gerais como em cada particularidade, revelam uma dimensão eminentemente contrária ao Evangelho e fundamentalmente anticristã, e que encontra ecos em nossa sociedade, em nome de um pretenso Deus – o “deus” destes deputados-pastores mais parece uma versão brasileira de Baal do que outra coisa – e que trazem consigo discriminação contra as minorias (étnicas, religiosas, de orientação sexual), uma defesa total e absoluta do status quo que busca sempre estabelecer a diferença e distância entre ricos e pobres, uma misoginia doentia e inconcebível no século XXI e bobagens que ofendem a racionalidade (como a redução da maioridade penal, por exemplo). Um dos líderes destes “evangelizadores” foi capaz de, nos últimos meses, após ter se tornado, com a parceria criminosa dos meios de comunicação social, presidente da Câmara dos Deputados, conseguir iniciar e formatar o processo que culminou no aparecimento de um governo que usurpa, desde o último dia 12 de maio, o poder federal no Brasil, por intermédio de um golpe jurídico-parlamentar. E por conta desses mesmos valores ditos “cristãos”, muitos deputados, no último 17 de abril, evocando “Deus” ou “deus”, disseram “sim”. Além de um atentado à fé, trata-se de um absurdo antidemocrático e que, no “universo entre as nações”, rebaixou o Brasil. Podemos acusar nossos irmãos protestantes – no caso específico, nossos irmãos neopentecostais – pela instrumentalização do Evangelho contra a dignidade humana? Na verdade, não podemos; muitos católicos-romanos (talvez até mais do que nossos irmãos pentecostais) aderiram a esse atentado. É mister a destruição dessa cristandade à la brésilienne que se formou recentemente, cristandade que impede o florescimento do Evangelho de Jesus Cristo, cristandade que mata e faz apodrecer. Trata-se da mesma cristandade à la brésilienne que, em abril de 1964, trouxe para o Brasil mais de vinte anos de tortura e de promoção dos piores valores que se opõe ao evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Dessa maneira, no caso brasileiro atual – e no mundo inteiro –, como cristãos, não temos razões, em 2016, para sermos otimistas; ao contrário, sobram razões para o pessimismo...
Não obstante, entre nós, cristãos, permanece sempre intacta uma experiência de esperança – esperança sempre “crucificadora” e “crucificada”. Por isso, é preciso redescobrir a esperança cristã, que não é a expectativa de um triunfo. Assim, a liturgia de hoje, é providencial. Explico-me melhor: a primeira das falsas esperanças é a de pensar que seremos capazes de reconstruir uma sociedade cristã como outrora, e as revoltas que ocorreram na Europa após a revolução francesa e a revolução russa seriam reversíveis e que, no caso da América Latina, a Igreja católica permaneceria sempre reinante e dominante. Esta ilusão tem sido mortal para o cristianismo ocidental por um longo tempo. Não podemos, em nome de Cristo, colocar nossa esperança lá dentro da sociedade e do establishment, porque isso não é o que o próprio Cristo nos prometeu. Acredito que deveríamos encarar essa verdade face-a-face, e isso carrega consigo um efeito revivificador – e revolucionário. Trata-se de uma boa-nova que efetivamente libera e liberta. No relato evangélico de Lucas, proclamado hoje, quando Jesus anunciou sua paixão, os discípulos – notadamente Pedro que havia acabado de proclamar Jesus como “o Cristo de Deus” – se recusaram a ouvi-lo. Na versão do evangelista Mateus, Jesus respondeu a Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás”, pois Pedro não quer ver o verdadeiro, o real, o factual; Pedro e os discípulos não querem se submeter ao efetivo e à realidade. Estão presos a uma imagem de Cristo que não corresponde a Jesus. “Se Jesus é o Cristo, isto é, se Jesus é o Ungido prometido, o Messias de Deus, rei e Senhor, portanto, Jesus não pode sofrer e ser rejeitado, menos ainda ser condenado e morto. Já que estamos do lado de Deus e de seu Cristo, iremos necessariamente triunfar!” – cogitou provavelmente Pedro. É por isso que Jesus proibiu severamente que os discípulos falassem sobre. Na realidade, ao proibir seus discípulos de falarem sobre a constatação de que Ele é “o Cristo de Deus”, Jesus quer que nos demos conta de que não há nenhuma fé cristã, não há nenhum Cristo que seja realmente o Cristo de Deus, sem a cruz do próprio Jesus, sem uma submissão total ao real e à realidade, à verdade e ao verdadeiro. E acho que a experiência que os cristãos fazem hoje é a de cruz. E por isso, podemos, talvez, hoje estarmos mais próximos de Jesus crucificado do que em nenhuma época antes de nós.
Assim, ser cristão significa olhar para o mundo como ele é e amá-lo como o mundo efetivamente é: criado por Deus e marcado pelo pecado. Se Cristo nos diz algo, é também para podermos olhar para o bem e para o mal, e isso, diretamente, face-a-face. Podemos fazer isso porque sabemos que este mundo está salvo. Podemos, portanto, ver o mundo como ele é, incluindo no que ele tem de mais obscuro e tenebroso, de incerto e angustiante. Trata-se, pois, de encontrar em Jesus crucificado o Filho do Homem, isto é, encontrar em Jesus crucificado aquele que é a palavra, a sabedoria e o esplendor eternos de Deus, aquele que é o Cristo, o Messias, o Ungido, o Senhor. Aquele que é nosso Senhor não é um existente do passado e que, portanto, já passou (não é João Batista nem Elias nem nenhum profeta do passado que haveria ressuscitado), mas é o mesmo Jesus que foi crucificado no passado e continua a ser crucificado até hoje na mãe-de-santo que é espancada, no jovem travesti que é morto esfaqueado, na mulher que é estuprada, no jovem “delinquente” que é preso ou assassinado, na lésbica que é exterminada, numa criança subnutrida ou numa criança de dez anos morta a sangue frio, numa presidenta honesta que é deposta injustamente, no jovem “delinquente” que é linchado, num mendigo que morre de frio nas ruas de uma metrópole qualquer, na ovelha que é levada ao matadouro.
Por isso, como nos adverte o mais apóstolo entre os apóstolos, Paulo, em sua carta aos Gálatas, o que vale não é o que pretendemos e acreditamos ser (Judeu ou Grego, escravo ou livre, homem ou mulher), pois somos todos um só existente e uma só coisa em Jesus crucificado.
*Mateus Domingues da Silva, frade dominicano e membro da equipe do IDÉO (Institut Dominicain d’Études Orientales) do Cairo, é islamólogo e pesquisa história da física medieval e história da filosofia árabe.