SOLENIDADE DA NATIVIDADE DE SÃ?O JOÃ?O BATISTA 24-06-2016

João Batista: misericórdia e profetismo

 

Frei Paulo Cantanheide

 

 

           Quando comecei a visitar as famílias da cidade de Goiás, uma das coisas que me chamava atenção nos Oratórios era a imagem de São João Batista. Enquanto a maioria dos santos medievais estava de mãos unidas e cabeça baixa, algumas imagens do batista o apresentavam de cabeça erguida e com o dedo em riste, o que revela a atenção do santeiro para o caráter profético da figura de João Batista. Profecia essa que já aparece bem desenhada na primeira leitura do profeta Isaias.

          Isaias nos apresenta o profetismo como um dom de Deus. Nossos cursos e projetos de formação podem produzir excelentes teólogos, biblistas e agentes de pastorais, porém um profeta surge de uma experiência de intimidade com Deus capaz de despertar uma inquietação interior no crente.  Através de imagens um tanto quanto agressivas como “espada afiada” e “flecha aguçada”, Isaias procura comunicar a intensidade e a força que a Palavra de Deus adquire na boca do profeta diante de determinadas circunstancias da vida.       

          A contemplação da Palavra de Deus desperta no profeta um discernimento cujos parâmetros são a vontade de Deus e a justiça. A indignação profética aflora justamente em momentos em que a comunidade se afasta de Deus, abrindo mão da compaixão, da misericórdia e da justiça. Por isso, trata-se de uma indignação ética. Toda comunidade religiosa, em algum momento de sua história, convive com uma tensão entre a inquietação do profeta e a acomodação da comunidade.

         Os profetas são constantemente incompreendidos, às vezes caluniados, perseguidos e mortos, na maioria das vezes pelo seu próprio povo: “Foi assim que fizeram com todos os profetas que vieram antes de mim”. Partindo do principio que, na perspectiva evangélica, o antônimo do medo não é a coragem, mas a fé, o profeta costuma causar admiração pelo seu destemor frente às forças da morte instaladas nas estruturas de poder. Por isso, não poucas vezes, é taxado de imprudente e culpabilizado pelo seu próprio “infortúnio”.

            A festa da natividade de São João Batista nos convida a celebrar um pouco de tudo isso. Ultimo profeta do Antigo Testamento e Primeiro do Novo, João Batista é associado a uma Palavra de exortação e advertência, sua exortação foi dirigida não só aos pobres de Israel, mas à família palaciana de Herodes, o que lhe custou a própria vida.

É importante perceber que no final da primeira Leitura Isaías já não fala de Espada nem de flecha, mas de Luz e Salvação, pois esse é o desfecho final da palavra do profeta. Sua palavra incisiva, sua ousadia em anunciar e denunciar têm única e exclusivamente a intensão de fazer brilhar a Gloria de Deus. Qualquer outra intencionalidade nos levará a crer que se trata de um falso profeta.

                 A graça de Deus presente na missão de João Batista já estava manifesta em sua natividade. O fato de ter nascido da união de um ancião com uma mulher considerada estéril por si só já foi uma revelação da graça de Deus.  O nome escolhido por seus pais, João, significa Deus é misericordioso.

         Assim, no nascimento de João Batista contemplamos em um só tempo a misericórdia e força  de um Deus que se manifesta em uma criança nascida da velhice de um homem e da esterilidade de uma mulher. O que parecia fraqueza humana deu origem à fortaleza divina.

        Quando a Igreja nos convida a viver a misericórdia em um país tão marcado pela injustiça e corrupção como o Brasil,       vemos a necessidade   de conciliarmos misericórdia e profecia na missão da Igreja, a fim de não matarmos a esperança desistindo da justiça.  Em tempos de muita convulsão sócio-política, cabe-nos o cuidado de não silenciarmos a voz dos profetas para que a Gloria de Deus continue a Brilhar.