XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM 26-06-2016

Homilia para o XIIIo Domingo do Tempo Comum

26 de junho de 2016

Textos da liturgia: I Rs 19, 16b.19-21; Sl 15; Gl 5, 1.13-18; Lc 9, 51-62

 

 

Irmãs e irmãos,

            As palavras que ouvimos nesta primeira parte da missa parecem extremamente duras. E o são. Tornam-se ainda mais em nossos dias, onde realidades como compromissos e espírito de sacrifício são reavaliadas. No entanto, a aparente dureza do que ouvimos não nos pode levar a esquecer que é justamente no seguimento a esta Palavra que se encontra nossa verdadeira felicidade. Por isso, confiança é o conceito central da celebração de hoje

            O filósofo Emmanuel Levinas, falecido em 1995, costumava dizer que só podemos conhecer a nós mesmos no encontro com o outro. Encontrando-nos com o “tu”, vamos nos conhecendo como “eu”. Nos três diálogos que temos neste trecho do evangelho segundo Lucas que acabamos de ouvir, Jesus pôde falar de si próprio. Nas questões profundamente humanas que seus seguidores em potencial lhe colocam, Jesus nos permite entrever as questões que habitavam seu coração, profundamente humano. São as mesmas interrogações que nós, seus seguidores, hesitantes em confiar em Deus, também nos colocamos.

            Ao homem que lhe diz que o seguiria por onde quer que fosse, Jesus adverte: “o filho do homem não tem onde repousar a cabeça”. Um grande paradoxo se faz presente: Jesus invoca a expressão “filho do homem”, que aparece a primeira vez no livro de Daniel. Tal expressão traz em si a ideia de glória, poder e esplendor. Mas este “filho do homem”, na verdade, vive na pobreza. Ao contrário de todas as criaturas, como as raposas e os pássaros, não tem mesmo onde repousar. Sua missão o coloca em estado de itinerância, de liberdade em relação a qualquer outro compromisso que o fazer a vontade do Pai. Em suma, a missão de Jesus exigiu dele uma contínua renúncia, uma liberdade cristalina.

            Jesus convida alguém a segui-lo. Este solicita antes enterrar seu pai. Contrariando mesmo o mandamento de honrar pai e mãe, Jesus responde de modo duro: “Deixa que os mortos enterrem seus mortos”. Jesus nos ensina, neste diálogo, seu critério de discernimento: nenhum outro compromisso, mesmo que correto, bom, santo, pode opor-se à missão. Mais uma vez, a confiança de Jesus o liberta totalmente. Por mais importantes e profundos que sejam os laços humanos, eles são relativos diante das exigências da missão.

            A um terceiro que lhe pede ir despedir-se de seus familiares antes de segui-lo, Jesus responde com uma imagem bastante conhecida pelos camponeses de seu tempo: “Quem põe a mão no arado e olha para traz, não está apto para o Reino de Deus”. O homem do campo sabe que ao arar a terra seu trabalho não será satisfatório se não estiver atento, se não olhar para frente. Normalmente, sobretudo nos momentos nos quais a vida cristã parece tão pesada, tendemos a imaginar como teria sido diferente se tivéssemos optado por outros caminhos. Ou ainda, que é possível estar na missão sem renunciar a outros compromissos e relações que tanto nos agradam. O resultado de não se estar de todo o coração no seguimento de Jesus é a mediocridade; em uma imagem: uma terra arada de modo muito irregular, na qual a colheita será pouco fecunda.

            No início do trecho do evangelho que ouvimos, Lucas nos diz que Jesus “tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. O texto grego nos fala que Jesus que “endureceu o rosto”, uma referência direta ao terceiro cântico do Servo sofredor, do Profeta Isaías. O Cristo assume sua missão, e caminha com confiança e resolução, não obstante a violência e todo o caminho de dor pelo qual irá passar. Sua confiança no amor do Pai é mais forte que qualquer fraqueza ou violência externa.

            O pensador grego Nikos Kazantzakis, em seu polêmico livro “A última tentação de Cristo”, nos fala de uma discussão entre Jesus e seu Pai. Jesus, na fatiga de sua missão, diz: “mas eu já fiz tanta coisa, e coisas tão difíceis”... E uma voz interior lhe diz: “ainda é preciso mais”. Kazantzakis utiliza um diálogo paralelo entre São Francisco e Deus, em seu livro “O pobre de Deus”, uma biografia do santo de Assis: após tantas ações pesadas, o santo escuta internamente: “Ainda mais, Francisco”. Este autor nos ajuda a compreender que a missão do Cristo, bem como de seus seguidores, exige a vida inteira, oferecimento completo de si. Sem dom total, a missão não pode ser realmente fecunda.

            Como nos convida São Paulo, em sua Carta aos Filipenses, peçamos nesta Eucaristia, ter os mesmos sentimentos de Cristo (cf. Fl 2,5). Este é o primeiro passo para ser seus seguidores, para “compreender”, com o coração, seu chamado, e ter a audácia de segui-lo. Ele mesmo nos fortalece, pela Palavra e pelo seu Corpo e Sangue, em nosso caminho de confiança e liberdade, que chamamos de vida cristã.

 

Frei André Tavares op