MEM?RIA DO BEM-AVENTURADO BENTO XI, DOMINICANO 07-07-2016

– O amor de Deus que se comove de compaixão, nos põe “em saída” – (07.07.2016)
 
Os 11, 1-4.8c-9; Sl 79; Mt 10,7-15 (// Mc 6,6b-13; Lc 9,1-6)
 
– No Antigo Testamento há 26 menções ao “coração de Deus”, considerado como o órgão da Sua vontade:
o homem é julgado em relação ao coração de Deus. Mas há um trecho veterotestamentário em que o tema do coração de Deus se encontra expresso de modo absolutamente claro: é o capítulo 11 do livro do profeta Oséias, onde os primeiros versículos descrevem a dimensão do amor com que o Senhor Se dirigiu a Israel, na aurora de sua história: “Quando Israel ainda era menino, Eu o amei, e do Egito chamei o meu filho” (11,1s). Na verdade, à incansável predileção divina, Israel responde com indiferença e até com ingratidão. “Quanto mais os chamava – o Senhor é obrigado a constatar – mais eles se afastavam de mim” (11,2). Todavia, Deus nunca abandona Israel nas mãos dos inimigos, pois “o meu coração – observa o Senhor – comove-Se dentro de mim, comove-Se a minha compaixão” (11,8).
 
– O coração de Deus comove-Se! Um coração que se contorce de compaixão, nos recebe dentro de Si (cf. antífona do Magnificat) e envia-nos em missão, convidando-nos a levar e partilhar aquilo que gratuitamente recebemos: o Reino, a salvação contida Nele (Mt 10,6-8). “Ide”, diz o Senhor! Pôr-se a caminho, ir (πορεύομαι) ao encontro das “ovelhas perdidas”... (Mt 10,6): devemos ir à casa dos outros, não como lobos, mas como ovelhas (Mt 10,16). Ovelha é símbolo do vestir e do alimentar: é a oferta da lã para nos vestir e do leite, para nos alimentar. Precisamos ser ovelhas, oferecer a nossa “lã” para aquecer os corações e o nosso “alimento” para que as pessoas cresçam. Será que, ao contrário do que faz e nos pede o Senhor, entramos nas casas como lobos vorazes que devoram as pessoas ao invés de fazê-las crescer? O Senhor nos ensina que, quando andarmos, também não necessitamos carregar alforjes, mochilas, nem roupas, nem sandálias etc. (Mt 10,10-11). Devemos andar “nus e descalços”? Não! Poderíamos nos referir hoje aos celulares, laptops e várias coisas que nos “protegem e isolam”. Quando tenho um celular nas mãos, não preciso olhar nem conversar com ninguém. Um meio de comunicação torna-se a maior causa de isolamento entre os seres humanos. Em quase todos os lugares vemos as pessoas teclando compulsivamente nos seus aparelhinhos. Jesus diz exatamente o contrário: deveremos aproximar-nos das pessoas, como se não usássemos sandálias nem roupas, totalmente desarmados, sem pretender impor nada. E só conseguiremos isso se estivermos indefesos, se comunicamos šhālŏm (וםֹלָׁ ש .(Poderemos propor algumas coisas, mas como alguém que se coloca no mesmo nível dos outros. Jesus não queria que os apóstolos impusessem uma pregação, como aconteceu algures e sói acontecer entre nós. É contrário ao Evangelho imaginarmos um proselitismo, uma religião que invade as casas, que impõe os seus costumes e ideologias aos outros. A pregação começa pela mística da existência e só depois pela palavra (cf. experiência de Charles de Foucault). Quantas vezes achamos que podemos dominar pela palavra, quando é ela que deve acompanhar todo o nosso ser.
 
“Proclamai que o Reino dos céus está próximo” (Mt 10,7). Este é um aspecto essencial do amor que Deus
 
nutre por todos os seus filhos, especialmente pelos membros do povo que gerou e deseja criar, educar e acompanhar na vida: perante as suas fragilidades e infidelidades, o “seu íntimo comove-Se e estremece” (Os 11,8). Mas Ele é misericordioso para com todos, o seu amor é para todos os povos e a Sua ternura estende-se sobre todas as criaturas (cf. Sl 144,8-9). – O amor de Deus que Se comove – a Sua misericórdia – encontra a sua manifestação mais alta e perfeita no Verbo encarnado (cf. Jo 1,14). Ele manifesta o Rosto de Deus, rico em misericórdia – não apenas “fala dessa característica fundamental do Pai mediante parábolas, mas o próprio Filho a encarna e a personifica” (João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 2). Aos discípulos que dóceis ao Espírito, aceitaram seguir Jesus – imitando-O (cf. Lc 9,23-24) – aprendendo com Ele a ser misericordiosos como o Pai (Lc 6,36), a amar como Ele nos ama e fazer de suas vidas dom gratuito, sinal da bondade divina, recebem a missão de “ir às ovelhas perdidas... e proclamar a proximidade do Reino dos céus; curar os doentes, ressuscitar os mortos, purificar os leprosos, expulsar demônios, porque devem partilhar o dom recebido gratuitamente – a salvação contida no anúncio do Reino deverá ser levada gratuitamente aos homens – que aquilo que gratuitamente receberam” (Mt 10,6-8).
 
– Sói acontecer hoje, em algumas experiências eclesiais extáticas e narcisistas, esquecerem as instruções do Senhor, algo que Pe. António Vieira já constatava em seu tempo (cf. Sermão da Sexagésima): nós e todos estes “missionários”, devemos ter em mente, gravado no coração o amor de Deus – pondo-nos a caminho – pois “a Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho” (cf. Bula Misericordiae vultus, n. 12), e anunciá-la em todos os cantos da terra, até alcançar a toda a mulher, homem, idoso, jovem e criança e, sobremaneira, àqueles que se encontram nas mais trágicas e distantes periferias existenciais.
 
– A evangelização deve ter essa profunda responsabilidade – faz parte da atividade educativa – à qual o trabalho missionário dedica tempo e esforço, como o vinhateiro misericordioso do Evangelho (Lc 13,7-9; Jo 15,1s), que com terna paciência espera os frutos depois de anos de lenta formação; geram-se deste modo pessoas capazes de evangelizar e fazer chegar o Evangelho onde ninguém cogitaria vê-lo realizado. Com efeito a fé é dom de Deus, e não fruto de proselitismo ou de ideologias; porém cresce graças à fé e o amor dos evangelizadores, que são testemunhas do Cristo de Deus. Aos discípulos, amigos e amigas de Cristo, que percorrer as veredas do mundo, é lhes pedido aquele amor sem medida que tende a aplicar a todos a mesma medida do Senhor; anunciar o dom mais belo e sublime que Ele nos ofereceu: a Sua vida e o Seu amor! – Os missionários sabem, por experiência, que o Evangelho do perdão e da misericórdia pode levar alegria e reconciliação, justiça e paz. Com efeito, o mandato do Senhor: “Ide, então, fazer discípulos todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a guardar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19-20) – não terminou, antes pelo contrário impele-nos a todos, nos cenários presentes e desafios atuais, a sentir-nos atraídos e chamados/ compelidos para uma renovada “saída” missionária. Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, contudo todos somos convidados a aceitar este chamado: “sair da própria comodidade” e ter a coragem de alcançar todos os rincões – “periferias” – que precisam da luz do Evangelho (cf. Papa Francisco, Exort. apost. Evangelii gaudium, n. 20). O Bem-aventurado Bento XI, que soube responder à iniciativa do Senhor, tornando-se disponível ao serviço do Evangelho, nos ajude a cumpri-lo no hoje da nossa existência.
 
 
Fr. Roberto, OP