MEMÃ?RIA DE SÃ?O JOÃ?O DE COLÃ?NIA 09-07-2016

MEMÓRIA DE SÃO JOÃO DE COLÔNIA, PRESBÍTERO, E COMPANHEIROS MÁRTIRES
 
09/07/2016
 
1ª Leitura: Is 6, 1-8; Salmo 93 (92), 1ab. 1c-2. 5 (R. 1a); Evangelho: Mc 10,24-33
 
            No âmbito eclesial, quando celebramos a memória de um mártir, levantamos o testemunho de alguém que foi morto por causa de um ideal de vida sublime, reconhecido por ele como algo pelo qual valia a pena sacrificar-se, a saber, o Reino de Deus, realidade presente e futura do amor de Deus que prevalece, transforma e produz frutos na vida humana. No âmbito civil, também tivemos muitos mártires, homens e mulheres que lutaram por uma causa, a qual tinha como substrato bens inalienáveis ao ser humano, como, por exemplo, a liberdade, o direito e a justiça. De fato, nos dois âmbitos, as histórias dessas pessoas causam admiração, reflexão e até mesmo um silêncio abrupto, que traz consigo uma releitura sobre o sentido da vida humana, suas estruturas (muitas delas, que excluem Deus), seus “avanços”, seus ideais...
 
          No dia de hoje trazemos à tona a memória de um santo mártir da Igreja, frade dominicano, gente de nossa gente, cuja vida está relacionada diretamente às virtudes Teologais e ao Dom da Fortaleza. João Heer, nascido na Alemanha nos princípios do século XVI, foi frade do convento de Colônia. Suas virtudes excelsas e seu zelo pastoral o impeliram no fundo do coração a responder ao chamado de Deus para assumir um projeto missionário bastante ousado, mas que seria motivo de glória para a Igreja e de beatitude para esse nosso pregador. Naquela época, marcada fortemente pela guerra dos oitenta anos, a iconoclastia se estendia pelos dezessete dos países baixos (Beeldenstorm). Após a Reforma Protestante, travava-se nessa região um embate (religioso e político) entre luteranos e calvinistas, de modo que no país reinava um dominante clima de intransigência no tocante à liberdade de culto. Nosso irmão, mesmo sabendo dos riscos, foi para região exercer o ofício da santa pregação como pároco da Igreja de Hoarner.
 
          Foi então em 1572 que a situação de agravou ainda mais: os chamados “mendigos do mar”, corsários holandeses de confissão calvinista, tomaram Brielle, Flandres e outras regiões que estavam em poder da coroa espanhola até então, e em junho do mesmo ano, tomaram Dordrecht e Gorkum, esta última, cidade onde se encontrava nosso frei João. De modo truculento e abominável, os calvinistas inquiriram os 20 religiosos e presbíteros da região (1 dominicano, 1 agostiniano, 2 premostratenses, 6 padres seculares e 11 franciscanos). Depois de presos, foram torturados de 26 de junho a 6 de julho, quando foram transladados para Brielle de Mosa, no sul da Holanda, onde os interrogaria pessoalmente Guilherme II de la Mark, o chefe dos corsários. Foram forçados a abjurar a fé católica, principalmente as doutrinas sobre a Eucaristia e sobre o primado do Pontífice Romano. Vendo que não conseguia êxito, por volta da meia noite de 8 e 9 de julho, mandou que os algozes enforcassem frei João e seus companheiros fora dos muros da cidade e depois tivessem os corpos esquartejados.
 
           João foi sepultado em Bruxelas, na igreja dos franciscanos, onde os fieis passaram a lhe recorrer preces e pedir intercessão desde 1618. Pontus van Huyter e Andreas Wouters, que se aterrorizaram no momento da tortura e dos enforcamentos a ponto de negarem a fé para que lhe poupassem a vida, testemunharam por escrito esses acontecimentos. O papa Clemente X beatificou os mártires em 24 de novembro de 1675, reconhecendo neles um exemplo autentico do seguimento de Cristo e do exercício das virtudes para a Igreja Universal. Mais tarde, Pio IX reiterou o culto legítimo ao beato João de Colônia e a seus 17 companheiros, canonizando-os em 29 de junho de 1867.
 
              Qual seria a relevância desse fato para nós? À luz da Teologia do martírio, vemos que João e seus companheiros, mesmo diante da perseguição, da violência, dos ultrajes e da morte, não responderam “pagando com a mesma moeda”, sucumbindo-se, assim, às estruturas de pecado que desfiguram os filhos e filhas do Deus-Ágape. Ao contrário da opinião dos infiéis que os considerariam fracassados, eles foram vitoriosos ao defenderem até o fim sua opção pelo Amor, pois estavam convictos de que o amor sempre vence, que tem sempre a última palavra. Afinal, Jesus, o mártir por excelência, com seu ensinamento e sua Ressurreição, provou que quem ama, não morre, mas vive eternamente, seja no coração de Deus, a quem passa a contemplar ao término de sua vida terrena, como Ele mesmo disse: “Eu Sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá” (Jo 11, 25); seja para aqueles a quem se dedicou, em cujas mentes e corações estarão impressos a memória de um Evangelho vivo, palpável: “assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. (Mt 5, 16).
 
            À luz da liturgia de hoje, na primeira leitura, temos diante de nós a beleza desse mistério de Amor, que é a História da Salvação, a qual envolve, também, a nossa existência, a nossa história. No livro de Isaías, o profeta nos transmite, de forma enigmática e cheia de símbolos, a mistagogia em torno da vocação humana. Deus, esplendoroso, o Altíssimo, está cheio de glória, e mesmo com tudo isso, se inclina e procura incluir o ser humano nessa glória. E isso se dá justamente, quando somos chamados a ser tão santos como Ele é Santo. O anjo representa o próprio Javé agindo, falando, vindo até nós. No momento que Ele nos abrasa com seu amor e com seu esplendor, e nos deixamos inflamar pelo calor da brasa que emana de seu altar, sem dúvida, nós somos purificados e nossos pecados perdoados. Além disso, o mesmo braseiro precisa tocar a vida de mais pessoas, e Ele não mede esforços para que participemos nessa obra: “quem irá por nós?”, disse o Senhor. Ao sermos favoráveis em representá-lo, em transmitir aos demais o fruto daquilo que contemplamos, como nos diz São Tomás de Aquino, nasce aí uma vocação correspondida. Nosso querido São João de Colônia é exemplo para nós de vocação e de serviço pelo Reino, pois ao ser abrasado pelo Senhor e dando seu “sim” saiu de sua zona de conforto e em, em nome de Jesus Cristo e sua Igreja, foi dar testemunho da Boa Nova, da fraternidade universal, mostrando-se solidário para com os irmãos católicos que na região de Gorkum eram perseguidos, desencorajados em seguir na fé e até mesmo mortos.
 
          Jesus não é um mestre entre outros, mas é o nosso Mestre. Suas palavras são para nós transmitidas por Mateus de modo a nos cumular de esperança e nos sustentar em nossa vocação cotidiana. De fato, custa-nos muito sermos cristãos de verdade no mundo de hoje: quantas adversidades, quantas calúnias, quantas perseguições não sofremos por não sermos reprodutores de uma cultura de morte? Se Jesus, de imediato, já nos diz que somos vitoriosos, por que temer? Por que duvidar do Filho de Deus, que vencendo a morte, ressuscitando e subindo ao céu nos elevou à dignidade de filhos? Ao lembrarmos de nosso irmão João de Colônia e seus companheiros no dia de hoje, não temos a intenção de criar em nós um sentimento que nos lança ao encontro da morte, de forma alguma, mas, sim, que nos lança ao encontro do Deus da Vida, do Deus que é presença, o qual nem o sofrimento nem a morte física podem afastar de nós! Afinal, comparando os sofrimento da vida terrena à arte da construção, o Beato Humberto de Romans nos ensina que assim como “a pedra é polida ou esculpida para depois ser colocada em lugar destacado, assim também nós somos golpeados agora no mundo para sermos colocados no templo da pátria celestial, onde não se ouve o bater de nenhum martelo. A alegria é precedida pela tristeza, pela qual agora somos afligidos ou em compensação da exigência da culpa, ou da perfeição da graça, ou aumento da glória. Ó trabalho, ó pena, ó dor, ó ditosas lágrimas que as mãos do Onipotente enxugarão dos olhos dos aflitos”. (Opera de vita regulara)
 
              Irmãos e irmãs, Jesus, que é o próprio Deus encarnado, mostra que somos muito mais valiosos do que aquilo que temos, do que aquilo que nós conquistamos na vida presente, como bens materiais e honras diversas. Ele se importa com você, se importa comigo, se importa com o irmão que está no pecado, escravo de seus vícios, com o irmão que sofre e é massacrado, e que precisa de nós para se reerguer e conhecer esse Deus que se importa com Ele, um Deus que é Pai. Que a memória de São João de Colônia, esse grande filho de São Domingos, seja para nós grande intercessor naqueles momentos de dificuldade e perseguição, para que, seguindo seu exemplo de entrega ao Reino, não desanimemos na lida, nem falte de nossa parte esperança no Deus da Vida, que está a nosso favor em todos os momentos e o será, também, no nosso encontro final com Ele na eternidade. Assim seja!
 
Frei Ronivalder Biancão, OP