XV DOMINGO DO TEMPO COMUM 10-06-2016

15° DOMINGO DO TEMPO COMUM
Frei André Boccato, OP
Quem é o próximo? Quem é o nosso próximo?
É muito comum pensar que a relação com Deus se identifica com algo que se relaciona única e exclusivamente com uma visão pessoal (porque não dizer ‘individualista’ de Deus e do sagrado). Esta visão é disseminada por inúmeras denominações cristãs católicas, evangélicas e protestantes com o escopo em buscar satisfazer interesses corporativistas e quantitativos. Alguns chamam isso de uma ‘relação’ ou ‘visão vertical’ com Deus gerando um “cristianismo light”. Bastaria, neste sentido, procurar manter certas devoções ou práticas piedosas herdadas, que poderiam abrandar a terrível ‘ira’ de Deus. Há pessoas que passam a vida preocupadas em cumprir uma série de mandamentos para ‘justificar’ a sua consciência diante de Deus. Na liturgia deste domingo esta ideia é colocada em questão pelas leituras que a Igreja nos propõe. Assim, como o mestre da lei tenta colocar Jesus em dificuldade, o mesmo Jesus nos coloca à prova para superarmos certo infantilismo da fé.
O Evangelho (Lc 10, 25-37) sugere que essa vida plena não está no cumprimento de determinados ritos, mas no amor (a Deus e aos irmãos). São Lucas nos apresenta um mestre da lei que procura Jesus, querendo saber o que ele deveria fazer para receber em herança a vida eterna. Este detalhe, por si só é interessante, pois os mestres da lei julgavam saber por si só o que deveriam de fato saber e fazer. Então, porque este foi procurar Jesus? (...). Possivelmente, queria ou colocar Jesus à prova ou teria sido tocado pela pregação dele. Seja como for, ele queria uma resposta exata, lógica e matemática para um dilema existencial, complexo e dramático: “que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”. Esta interpelação é típica das pessoas, cristãs ou não, que já gozando de todo tipo de ‘benefícios’ materiais, vem como necessário apenas conquistar o ‘não conquistado’: a vida eterna. Jesus não lhe respondeu. Ele não responde com ‘facilidades’ para ‘facilitar’ a nossa vida. Jesus não deseja junto de si discípulos ou cristãos “preguiçosos” ou “acomodados”. Nós, filhos da modernidade ou pós-modernidade, como o ‘antigo esperto’ mestre da lei, tendemos hoje a buscar uma vida de facilidades; um cristianismo sem cruz; um discipulado sem confronto com os dramas da existência; uma vida cristã sem um real toque nas feridas das pessoas (do nosso próximo). Jesus, contudo, indicou um caminho ao mestre, mas não revelou a totalidade deste caminho. É comum muitos católicos aproximarem do padre ou de um líder de comunidade buscando respostas prontas para dilemas complexos: “posso ou não posso? Devo ou não devo? É certo ou errado?” No fundo, temos o evangelho, em sua totalidade a seguir, mas não um conjunto de práticas a serem observadas para aliviar a ‘consciência’. Parece que na parábola Jesus coloca apenas uma coisa como decisivo: o melhor caminho é o AMOR. Como exemplo, apresenta a ele figura de um samaritano – um herege, um infiel, segundo os padrões judaicos, mas que é capaz de deixar tudo para estender a mão a um irmão caído na beira da estrada. “Vai e faça o mesmo” – diz Jesus a cada um dos que o querem seguir no caminho da vida plena. Em suma, é necessário sim, amar a Deus com toda a intensidade acima de tudo; naturalmente, este intenso amor a Deus nos movimentará para sermos solidários e amarmos profundamente também as “várias pessoas caídas nos vários caminhos de Jericó”. O amor total a Deus deve tornar-nos pessoas sensíveis com a dor e o sofrimento humano. A compaixão é aquele sentimento divino que faz com que a dor do outro passe a ser a minha, a nossa dor. Bem, o mestre da lei não sabia quem era o seu próximo. Talvez até sabia! Nós também sabemos! Sabia bem que existia um Deus supremo que merece todo o amor e dedicação. A grande questão é saber se o nosso próximo é de fato o próximo ou o que oferece alguma facilidade para permanecermos no nosso ‘comodismo paroquial’. E nós, sabemos quem é o nosso Deus (no próximo)? Ainda temos ‘olhos’ para o próximo? Assemelhamo-nos mais ao mestre da lei ou ao samaritano? Ou ao sacerdote e ao levita do caminho? (...) Um fato curioso da escrita de Lucas: no início do evangelho era o mestre da lei que tinha colocado Jesus à prova; agora é Jesus que o colocou à prova de si mesmo. Jesus sempre nos coloca à prova, basta que estejamos atentos a Ele. Não podemos viver o verdadeiro cristianismo – revelado hoje por um não cristão ou não judeu (o samaritano) – sem estarmos o tempo todo sendo colocados à prova pelos nossos próximos.
A primeira leitura (Dt 30,10-14) reflete sobre a amor a Deus expresso em suas leis. Convida-nos a fazer de Deus o centro da sua vida e a amá-lo de todo o coração. Como? Escutando a sua voz no íntimo do coração e percorrendo o caminho dos seus mandamentos. Para permanecermos na voz de Deus necessitamos viver conforme as suas leis. Mas as leis nos salvam? Não é o amor ao próximo? Na verdade, as leis de Deus em si são ‘indicativos’; aponta-nos o caminho reto a seguir; estas leis ou indicativos devem nos ajudar na purificação e conversão do coração: “(...) Converte-te para o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma”. Não basta conhecermos os mandamentos ou leis se estes não nos indicam o objetivo: a conversão interior. O texto diz-nos que Deus, pelos seus mandamentos e leis, está muito próximo de nós... está ao nosso alcance. Deus sempre está muito próximo de nós. Quem está aberto a Deus segue a indicação que o salmo 68 (69) nos faz repetir com toda alegria: “Humildes, buscai a Deus e alegrai-vos: o vosso coração reviverá!”.
Na segunda leitura (Cl 1,15-20) Paulo apresenta-nos um hino que propõe Cristo como a referência fundamental, como o centro à volta do qual se constrói a história e a vida de cada crente. É um chamado “hino cristológico”. O texto foge, um tanto, à temática geral das outras duas leituras; no entanto, a catequese sobre a centralidade de Cristo leva-nos a pensar na importância do que Ele nos diz no Evangelho de hoje. Se Cristo é o centro a partir do qual tudo se constrói, convém escutá-lo atentamente e fazer do amor a Deus e aos outros uma exigência fundamental da nossa caminhada. Quem tem Cristo como centro de sua vida ou o vê como Caminho, Verdade e Vida não passará despercebido ao lado do irmão que sofre. Cristo, a imagem do Deus invisível, nos ensina a ver (“visivelmente”) o nosso próximo. Há pessoas que buscam apenas o Cristo invisível e não querem se comprometer com o próximo. Na Igreja existem, infelizmente, muitas pessoas assim... Quem comunga o Cristo eucarístico na missa, deve sair dali repleto de amor para se encontrar e acudir o próximo. Se “por causa dele, foram criadas todas as coisas no céu e na terra, as visíveis e invisíveis, tronos e dominações, soberanias e poderes” (v. 16), participamos ativamente do seu SER AMOR como contínuos ‘samaritanos’.