SOLENIDADE DE SÃ?O DOMINGOS DE GUSMÃ?O 08-08-2016

Festa de São Domingos de Gusmão 08/08/ 2016

A realidade histórica, a verdade do Evangelho e a Gloria de Deus: para se entender a Espiritualidade Dominicana.

 

               Na liturgia que celebramos hoje merece destaque a manifestação da Gloria de Deus na sabedoria de Jesus e na vocação de um profeta que está totalmente inserido no drama vivenciado pelo povo de Deus. Já na primeira leitura Deus faz brilhar a sua Gloria, na origem da vocação do profeta Ezequiel, em um dos momentos mais marcante da história do povo hebreu: o exilio na Babilônia.

               É no contexto tenso do exilio que Deus se manifesta para Ezequiel através de uma visão luminosa que combina um cenário terreno com uma visão terrestre. Ezequiel é testemunho que desde tempos antigos a tradição judaica compreende a Gloria de Deus como uma manifestação que une terra e céus, deixando-nos claro que a Gloria do Senhor não é um resplendor meramente visionário e sensacionalista desfalcado de história.

               No novo testamento o evangelista Lucas brada a Gloria de Deus por ocasião da encarnação do Verbo – “Gloria a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14). Daquele momento em diante, o resplendor do Pai se manifesta antes de tudo nas atitudes libertadoras do Cristo. Portanto, nesta liturgia, a Igreja contempla e celebra a Gloria de Deus presente na vocação do profeta Ezequiel, na sabedoria de Jesus revelada no Evangelho e na experiência apostólica de São Domingos de Gusmão, cuja festa celebramos hoje.

              O  apostolo Paulo, por meio da carta aos filipenses,  nos ensina que Jesus, mesmo sendo de condição divina, não se apegou à sua igualdade com Deus e se fez semelhante a cada um de nós, tornando-se obediente até a morte e morte de Cruz (Fp 2, 7). O episódio do Evangelho de hoje revela que Jesus, ao assumir a condição humana, é levado também a enfrentar as incoerências e contradições das sociedades de seu tempo. Porém, fazia isso com uma sabedoria que lhe era própria, conseguindo, assim, cumprir sua missão sem causar tumulto e conflito desnecessário.

                Convicto de que era o filho de Deus, sabia que não lhe cabia pagar imposto para si próprio, mas avaliou que não era conveniente se indispor com os cobradores de impostos naquele momento por um motivo tão insignificante. Hoje, já é do nosso conhecimento que pagar imposto, no tempo de Jesus, era uma atividade econômica, mas também política e religiosa. Os estudos dos evangelhos nos revelam ainda que Jesus discordava da conjuntura social, política, econômica e religiosa de sua época, mas era preciso prudência para não escandalizar o povo desnecessariamente (Mt 17, 27).

            Contudo, essa postura de Jesus não implica omissão diante dos desafios enfrentados para a implantação do projeto do Reino de Deus, visto que, quando foi preciso enfrentar os vendilhões do templo, que estavam transformando a casa do Pai em um covil de ladrões, à custa da exploração dos mais pobres (Mt  21, 13), Jesus soube agir de forma enérgica e objetiva.

                Essa sabedoria do Evangelho, que consiste em saber agir na hora certa, supõe que seja lançado um olhar sobre o mundo com ternura e compaixão, mas também com bastante vigor e determinação, mormente, quando prevalecem a injustiça e o erro.

                Ao celebrarmos São Domingos de Gusmão, curiosamente percebemos essa mesma sabedoria presente no processo de constituição da Ordem religiosa fundada por ele. Diante dos equívocos cometidos pela Igreja do século XIII, Domingos não deixa de “pagar seus impostos”, ou seja, não rompe com a igreja ou com as normas eclesiais de sua época, mas procura desenvolver um trabalho missionário capaz de conferir vida à Igreja e a sua doutrina.

                 Sem estabelecer uma zona de conflito institucional, a missão de Domingos, por si só, se constitui em denuncia do comodismo e da opulência do catolicismo de então. Ao lado da Ordem franciscana, os dominicanos testemunham o Evangelho de Jesus por meio da pobreza evangélica, da vida fraterna, do estudo, da oração e do apostolado.

                Pela contemplação da verdade de Deus através da Palavra revelada, Palavra essa que deve ser acolhida como critério de verdade, aos poucos vai se definindo a espiritualidade de um Domingos que “à noite falava dos homens a Deus e de dia falava de Deus aos homens”. Assim, a vida dominicana se define como uma espiritualidade cristã encarnada na vida dos homens e mulheres do tempo presente.

              Para a Ordem de São Domingos, que esse ano celebra o seu jubileu de oitocentos anos de fundação, a Gloria de Deus brilha quando os povos e as pessoas conseguem encontrar-se com a verdade de Deus, estabelecendo uma relação de aprendizagem e cooperação mutua: “Que a vossa luz brilhe diante dos homens e estes vendo vossas boas obras glorifiquem o Pai que está no Céu.”(Mt 5, 16).

                 Ao longo desses oito séculos de missão a presença e a postura dos Frades, freiras e leigos dominicanos no mundo, deixa transparecer que  a contemplação da Palavra de Deus tem revelado à Ordem que a evangelização  se dá, antes de tudo, por meio de uma relação de aprendizagem mútua, pois a Gloria de Deus brilha em todos os povos e pessoas, independentemente de cultura, credo e etnia.

             Dessa forma, os dominicanos realizam uma missão militante, cosmopolita, profética, universal e ao mesmo tempo presencial. Presentes nas paróquias, no meio universitário, nos movimentos sociais, nos meios de comunicação sociais e nas pastorais da Igreja, os frades, freiras e leigos dominicanos, encontram cotidianamente as pessoas nas celebrações eucarísticas, nas escolas, nos hospitais, nos presídios, nas universidades e nos grupos de pastorais e movimentos.

               Essa presença na vida das pessoas, concebidas como sujeitos sociais e político, é que possibilita a experiência de uma espiritualidade encarnada. A oração e difusão do Santo Rosário, as ações de Justiça e Paz e a atuação na relação Fé e Política, são práticas da espiritualidade dominicana que possibilitam, a um só tempo, a contemplação do mistério da encarnação, a avaliação da realidade à luz da verdade revelada nas Escrituras e uma atuação social motivada e orientada pela Fé.             

 

Fr. Paulo Cantanheide. OP